domingo, 31 de março de 2019

Conflito existencial: ser pessoa


Assisti, em um programa de televisão, um psicólogo lidando com a problemática entre a mãe e a filha de dezesseis anos.
O comportamento da mãe, revelado por sua postura e por suas palavras era da filha que foi certinha e boazinha, acatando sempre, ou quase sempre, as ordens do pai e da mãe. Também na escola fora das melhores alunas. Em sociedade procurara pautar a sua vida de forma correta, como estabelecido pelos padrões culturais e de mídia da época.
A filha mostrou-se contestadora da mãe e rebelde, relativamente a padrões impostos pela sociedade do que seja a menina “boazinha”, boa filha, estudiosa e obediente à mamãe e ao papai. Usava “piercing”, para contrariar a mãe, vestia-se de forma a ser diferente do padrão usual e dizia que queria ser livre e fazer o que quisesse, desde que não prejudicasse ninguém.
Intermediando o confronto, através dos argumentos, entre mãe e filha, o psicólogo não julgava, através de valores, quem estava certa ou mais certa: a filha ou a mãe.
No decorrer dos diálogos percebi que, em verdade, as duas estavam sofrendo muito.
A mãe no desespero de querer uma filha “certinha” como ela fora.
A filha querendo, com a sua atitude “rebelde” mostrar para a mãe como ela fora omissa, até a sua atual idade, no relacionamento com ela, querendo cumprir apenas o seu ritual papel de mãe.
As duas não estavam querendo “fazer mal” uma a outra, mas não estavam se entendo, por falta de “intimidade”.
Cada uma tinha os seus motivos conscientes e muito mais “inconscientes” da maneira como se comportavam.
Para a mãe o psicólogo procurou mostrar como ela, não intencionalmente, no seu papel formal de mãe não conseguira “enxergar” a filha como uma “pessoa”.
À filha procurou conscientizá-la de que não era apenas sendo “diferente” para agredir a mãe que ela seria reconhecida como uma “pessoa”.
Claro que a questão entre as duas não era de fácil solução, nem de solução pronta.
Cabe, para as duas a terapia psicológica individual e, mesmo a familiar, para que possam sair dos “efeitos emocionais e sentimentais” e atingirem a raiz dos conflitos íntimos vividos por elas e também os conflitos da convivência.
Sob outro ângulo o conhecimento da realidade espiritual também as ajudaria muito, pois também nessas situações encontramos o reflexo de dramas originados em encarnações passadas.
Nestas breves reflexões não vou, nem poderia adentrar a dramaticidade da situação e o caminho para solução do conflito.
Quero, apenas, refletir sobre o ponto que se constituiu fundamental no interessante diálogo e na “terapia brevíssima”: – “ser pessoa”.
Alerta-nos o psicólogo espírita Adenauer Novaes: “Qualquer pessoa tem o direito de ser feliz e de mudar o seu próprio destino sem que para isso tenha que se tornar inconsequente. Tanto a rigidez da personalidade quanto a excessiva liberdade prejudicam sua felicidade...
Tornar-se uma pessoa feliz é uma proposta que deve levar o indivíduo ao encontro de si mesmo, de sua essência mais íntima.
Uma pessoa necessariamente não é alguém que tem títulos, conhecimentos intelectuais, coisas ou goze de certo prestígio. É alguém que sabe ser gente, quando apenas isso é o necessário.
Seja feliz sendo uma pessoa. Apenas uma pessoa. Um ser que está no mundo para viver nele, como alguém que se sente intimamente ligado às pessoas, ao Universo e a Deus.” (Felicidade sem Culpa, Capítulo Psicologia da Pessoa)
Ser pessoa é estar no mundo aqui e agora, mas estar, também, no Universo, no tempo da Eternidade.
Seja pessoa, - você é uma criatura de Deus.

Aylton Paiva

Aylton Paiva é estudioso da Doutrina Espírita para sua aplicação na pessoa e na sociedade (www.ayltonpaiva.blogspot.com).

domingo, 24 de março de 2019

Desperta (Sobre o tempo)


Desperta, ó tu que dormes, levanta-te dentre os mortos e Cristo te iluminará. Andai prudentemente, não como néscios e, sim, como sábios, remindo o tempo, porque os dias são maus. Não vos torneis insensatos, mas procurai compreender qual é a vontade do Senhor. (Epístola aos Efésios, 5:14-17)

Considerando o tempo como o grande tesouro que Deus nos oferece em favor de nossa evolução, onde estivermos poderemos adquirir valiosos patrimônios de experiência e conhecimento, virtude e sabedoria, se não deixarmos que se escoem os minutos, as horas, os dias, os anos, mergulhados no sonambulismo que caracteriza tanta gente, que dorme o sono da indiferença, sob o embalo da ilusão.
O século marca, extrinsecamente, o período de uma vida, valioso patrimônio que Deus nos oferece para experiências evolutivas na Terra.
Mas o valor intrínseco, real do século dependerá do que fizermos dos três bilhões, cento e cinquenta e três milhões e seiscentos mil segundos que o compõem.
A bondade, o amor, a ternura, a mansuetude, a humildade, a compreensão, a paciência, a fé, são valores que “compramos” à custa de dedicação, renúncia, sacrifício, esforço, mas são inalienáveis, jamais os perderemos, habilitando-nos à alegria e à paz onde estivermos, vivendo em plenitude.
Todavia, se não fizermos bom uso do tempo, um século poderá representar para nós mera semeadura de inconsequência e vício, rebeldia e desatino, com colheita obrigatória de sofrimentos e perturbações. Imperioso, portanto, que aproveitemos as horas.
Podemos começar com o que há de errado em nós.
O vício, por exemplo, não representa apenas perda, mas, sobretudo, comprometimento do tempo, com repercussões negativas para o futuro.
Quantos minutos perde o fumante, por ano, no ritual das baforadas de nicotina? Quantas horas precisa trabalhar para alimentar o vício e pagar o tratamento de moléstias que decorrem dele? Quantos dias abreviará de sua existência por comprometer a estabilidade orgânica? Quantos anos sofrerá depois, com os desajustes espirituais correspondentes?
E o maledicente, quantos minutos perde diariamente, divagando sobre aspectos menos edificantes do comportamento alheio? E quantas existências gastará depois, às voltas com males que, a custa de enxergar nos outros, sedimentará em si mesmo?
O propósito de vencer um vício, a contenção da língua, a disciplina da palavra e das emoções, os ensaios de humildade, o treinamento da paciência, a disposição de aprender, o desejo de servir e muito mais, devem fazer parte de nosso empenho de cada dia.
Afinal, Deus nos oferece a bênção do Tempo para as experiências humanas, mas fatalmente receberemos um dia a conta pelos gastos, na aferição de nossa vida, como explica Laurindo Rabelo no notável soneto “O Tempo”.

Deus pede estrita conta do meu tempo,
É forçoso do tempo já dar conta;
Mas, como dar sem tempo tanta conta,
Eu que gastei sem conta tanto tempo!

Para ter minha conta feita a tempo
Dado me foi bem tempo e não fiz nada.
Não quis sobrando tempo fazer conta,
Quero hoje fazer conta e falta tempo.

O vós que tendes tempo sem ter conta,
Não gasteis esse tempo em passatempo:
Cuidai enquanto é tempo em fazer conta.

Mas, ah! se os que contam com seu tempo
Fizessem desse tempo alguma conta,
Não choravam como eu o não ter tempo.

Richard Simonetti
e-mail: richardsimonetti@uol.com.br

domingo, 17 de março de 2019

A Lei da Conservação


Ricardo leia a questão nº 703 de O Livro dos Espíritos, de Allan Kardec, disse Luciano.
O Grupo Espírita de Estudos Sociais, já estava reunido.
-   “ Com que fim outorgou Deus a todos os seres vivos o instinto de conservação?
- Porque todos têm que concorrer para cumprimento dos desígnios da Providência. Por isso foi que Deus lhes deu a necessidade de viver. Acresce que a vida é necessária ao aperfeiçoamento dos seres. Eles o sentem instintivamente, sem disso se aperceberem.”
- Como vocês observam, - comentou Luciano, - todos os seres vivos possuem o instinto de conservação, qualquer que seja o grau de inteligência, pois a vida é necessária ao aperfeiçoamento dos seres.
O existir e o aperfeiçoar-se através do desenvolvimento de suas potencialidades são forças inerentes aos seres, pois atendem aos reclamos da Lei da Evolução.
- Mas em nome do instinto de conservação teria o ser humano o direito de avançar sobre a natureza, extinguindo com espécies vegetais e animais, como está ocorrendo na atualidade? – questionou Edvaldo.
- Não! De forma alguma, redargüiu Luciano. Observamos na questão 704 da obra que estamos estudando, o seguinte: “Tendo dado ao homem a necessidade de viver, Deus lhe facultou, em todos os tempos, os meios de conseguir e se ele os não encontra, é que não os compreende. Não fora possível que Deus criasse para o homem a necessidade de viver, sem lhe dar os meios de consegui-lo. Essa a razão por que faz que a Terra produza de modo a proporcionar o necessário aos que a habitam, visto que só o necessário é útil. O supérfluo nunca o é.”
A Terra produz de modo a proporcionar o necessário aos que a habitam não há, pois necessidade de destruir a natureza. O que encontramos aí é a ganância daqueles que colocam os seus interesses pessoais, os seus lucros acima do bem da coletividade e do próprio equilíbrio planetário.
- É mesmo, adiantou Narcisa, - Nos dias atuais, há paises que não desistem de lançar toneladas de gases poluidores da atmosfera e detritos industriais que contaminam os rios, lagos e os oceanos, sob a justificativa do progresso e da necessidade de gerar empregos. Em verdade, com suas leis, esses países estão protegendo os grandes conglomerados empresariais que visam exclusivamente o lucro.
- Você tem razão, - atalhou Luciano, - ao lado da abundância, do supérfluo, falta o necessário à massa humana dos marginalizados na sociedade. Nela encontramos a carência, a doença, a falta de habitação, a escassez de vestuário, a ausência de instrução e o trabalho humano. Essa massa contrasta com a minoria que detém o poder econômico. Tal é a situação em muitas partes do planeta, no chamado Terceiro Mundo. O Brasil também apresenta esse aspecto social, na periferia dos grandes centros urbanos e nas regiões socioeconômicas menos desenvolvidas.
- Então a escassez não está na Natureza? Interrogou Lúcia.
- Se você me permite, Lúcia, eu penso que embora a civilização amplie as necessidades, ela também aumenta as fontes de trabalho e os meios de viver. A Ciência e a Tecnologia vêm aumentando progressivamente a produção dos bens e à medida que se aplique a justiça social a ninguém faltará o necessário.
- É mesmo, Darci, você como economista e espírita estuda e entende muito bem esse assunto.
- Darci tem razão, - aditou Luciano. Esclarece o Espiritismo que para todos há um lugar ao sol, mas com a condição de que cada um ocupe o seu lugar e não o dos outros.
A Natureza não pode ser responsável pelos defeitos da organização social, nem pelos efeitos da ambição e do egoísmo.
Finalizemos com a afirmação dos Mentores Espirituais: “O uso dos bens da terra é um direito de todos. Esse direito é conseqüente da necessidade de viver. “ (Questão nº 711 de O Livro dos Espíritos, de Allan Kardec )
A preservação e o uso dos bens da Terra são direitos de todos os homens, conforme os princípios mais avançados da Justiça e do Amor, que já começam a ser consagrados em leis e já eram expressos pela Doutrina Espírita.
Na consolidação e aplicação desses direitos estejam atentas as forças do bem e a elas ofereçamos as nossas possibilidades de atuação.
- Puxa, depois dessa, Luciano, vamos ficar por aqui, pois há muito o que pensar e uma vastidão para agir.
-  Assim seja, - disse Luciano – sorrindo e encerrando a reunião.

Aylton Paiva

Aylton Paiva é estudioso da Doutrina Espírita para sua aplicação na pessoa e na sociedade (www.ayltonpaiva.blogspot.com).

domingo, 10 de março de 2019

Medicina pioneira


Ah!... doutor!... Eu queria tanto ter saúde, a fim de ser um pouquinho feliz!... — suspirava aquela senhora que se habituara a percorrer os consultórios médicos, presa de distúrbios diversos.
— Minha filha — responde bondosamente o experiente facultativo —, este é o erro de toda gente, porque não se trata de procurarmos ter saúde para ser feliz, e sim de procurarmos ser felizes para ter saúde. Somente as pessoas em paz com a vida, que guardam em seus corações a euforia de viver, é que desfrutam do equilíbrio físico e mental que todos almejamos.
— Mas doutor!... como manter a euforia de viver se a cada instante sou contrariada por aqueles que me rodeiam? Como sentir-me em paz com a existência se nunca alcancei a plena satisfação de tudo aquilo com que sempre sonhei? É impossível ensaiar sorrisos, se pisamos espinhos!...
— Você não sabe o que é felicidade. Julga que ser feliz é ver atendidos todos os seus desejos e necessidades. Mas, ainda que isso acontecesse, continuaria infeliz, porque novos desejos e novas necessidades surgiriam. Quando nos acostumamos a pensar muito em nosso bem-estar, tornamo-nos insaciáveis.
A felicidade não é nenhuma oferta gratuita da vida. Ser feliz é uma verdadeira arte a exigir, como todas as artes, muito esforço e dedicação para que a dominemos. Raros o conseguem porque os homens ainda se portam como crianças acostumadas a bater os pés e reclamar, em altas vozes, quando não lhes dão o brinquedo desejado.
— Vejo — interrompe a cliente — que o senhor me situa nesse rol de crianças! Bem... Talvez ele tenha razão... E se for, como proceder para tornar-me adulta? Diga-me também o que revela a maturidade no indivíduo.
— É simples — explica o médico. — O nosso crescimento mental começa quando aprendemos a olhar para dentro de nós mesmos, esforçando-nos por eliminar o que há de errado em nosso íntimo.
Se formos sinceros e usarmos da mesma acuidade que nos permite enxergar facilmente as deficiências alheias, acabaremos por identificar o mal maior de nossa personalidade, o grande culpado de nossa infelicidade. Chama-se egoísmo — sentimento desajustante que nos faz pensar muito em nós mesmos, com total esquecimento dos outros; que faz exijamos respeito, afeto, compreensão, sem nunca oferecê-los a ninguém...
A partir do instante em que, sentindo o imenso prejuízo que o egoísmo nos dá, nos esforçamos por eliminá-lo, começamos a ser adultos.
E o homem adulto — aquele que sabe ser feliz — é o que tem plena consciência de suas responsabilidades diante da vida e da sociedade em que vive, observando-as integralmente...
É o que jamais cogita em edificar um oásis particular, isolado do sofrimento e da miséria alheios, pois compreende que a solidariedade é um dever elementar, indispensável à edificação da paz no mundo, e à preservação da paz na consciência...
É, enfim, o que observa, plenamente, o velho ensinamento da sabedoria oriental: “Quando nasceste, todos sorriam e só tu choravas. Procura viver de forma que, quando morreres, todos chorem e só tu sorrias!”
***
Esta entrevista hipotética define bem o esforço pioneiro de alguns médicos esclarecidos, conscientes de que muito mais eficiente que prescrever medicamentos para o corpo é cuidar do espírito.
Os pacientes deixam seus consultórios com interessantes receitas: integrar-se em instituições de assistência social; participar de campanhas que visem ao bem-estar da coletividade; recolher livros ou discos para hospitais e prisões; angariar fundos para instituições socorristas; visitar doentes; atender necessitados; adotar órfãos.
Estes médicos colocam em prática as lições inesquecíveis de Jesus, que há dois mil anos já ensinava que a fórmula mágica do equilíbrio e da alegria é fazermos ao nosso semelhante o bem que desejaríamos nos fosse feito.

Richard Simonetti
e-mail: richardsimonetti@uol.com.br

domingo, 3 de março de 2019

Calma a boa conselheira


Fui visitar um amigo.
Ao início de nossa conversa constatei que ele estava impaciente e irritado com pessoas e situações de forma generalizada.
Ensaiei algumas frases pelas quais pudesse levar-lhe a algumas reflexões, encarando pessoas difíceis e situações desagradáveis como lições que precisamos aprender a resolver e que isso dependia de um posicionamento mental paciente e eficiente para solucionar dificuldades.
A algumas ponderações ele aquiesceu, com relação a outras permaneceu em seu posicionamento inicial de que a paciência e a bondade não resolvem os problemas.
Passamos a conversar sobre coisas triviais, pois não era o meu interesse, no momento, estar “doutrinando” pessoas.
Voltei para casa.
Não pude me furtar em retornar a algumas associações de ideias com o ocorrido e entre elas a dificuldade emocional, sentimental e intelectual que uma pessoa experimenta quando se mantém nessa perspectiva de análise da vida.
Neste ponto, relembrei algumas reflexões que fiz, oportunamente, e que se encontram em livro lançado (1):
“Dizem os dicionários que a paciência é o estado de perseverança tranquila”. Portanto, diante de situações adversas e aflitivas é indispensável manter o equilíbrio emocional e agir ou reagir com serenidade.
Você deve, então, esforçar-se para desenvolver o autodomínio ou autocontrole.
Como agir diante dos pequenos problemas que o afetam todos os dias?
Como conseguir o equilíbrio emocional junto a familiares, chefes ou subordinados que, por exemplo, recusam-se a assumir seus deveres e, ao se omitir ou transferir tarefas, indevidamente o sobrecarregam?
O primeiro passo é a compreensão. Compreender o que está acontecendo. Perceber o que querem as pessoas e porque agem daquela maneira. Se estão desequilibradas, se são inexperiente ou se têm má intenção.
O segundo passo é manter o sentido de realidade. Não exagerar o que está acontecendo, apavorando-se. Julgar com serenidade para saber o que fazer.
O terceiro passo é agir. Movimentar providências e recursos para resolver o problema. Nessa fase, é fundamental o entendimento através do diálogo. Conversar claramente sobre a questão surgida para esclarecer como você deve agir junto para a necessária solução.
As conclusões tiradas dos diálogos devem ser bem definidas, memorizadas ou até escritas para depois serem avaliadas, a fim de se saber se todos estão cumprindo sua parte no estabelecido.
Assim, você não terá no lar, no serviço ou no grupo uma falsa harmonia, construída sobre o injusto sacrifício.
Para ajudar na compreensão mais ampla sobre a importância da paciência, trazemos de O Evangelho Segundo o Espiritismo, de Allan Kardec, o seguinte trecho da mensagem de um espírito: “Sede pacientes. A paciência também é uma caridade e deveis praticar a lei de caridade ensinada pelo Cristo, enviado de Deus. A caridade que consiste na esmola dada aos pobres é a mais fácil de todas. Outras há, porém, muito mais penosas e, conseguintemente, muito mais meritórias” (1). E, nessa caridade, se enquadra o exercício adequado da paciência.

Aylton Paiva
Bibliografia:

(1) História e Recados do Mundo espiritual – Paiva, A. – Ed. Mythos Books

Aylton Paiva é estudioso da Doutrina Espírita para sua aplicação na pessoa e na sociedade (www.ayltonpaiva.blogspot.com).


domingo, 24 de fevereiro de 2019

O grande tesouro


Inspirando-se provavelmente no filósofo grego Teofrastos (372-288 a.C), que proclamava ser muito caro o tempo, Benjamin Franklin (1706-1790) criou a máxima Time is money (Tempo é dinheiro), muito valorizada pelas pessoas que vivem em função dos bens materiais, empenhando seus dias a esse mister.
Tal concepção tornou-se típica da mentalidade empresarial, particularmente entre os norte-americanos. Perder tempo para eles é jogar dinheiro fora.
        Mas é uma injustiça ao grande estadista americano, esse homem extraordinário que seus contemporâneos chamavam “apóstolo dos tempos modernos”, situá-lo como alguém interessado em empenhar seu tempo em favor do “vil metal”.
        O móvel de suas ações, muito acima de meros interesses imediatistas, era o saber, não por mero diletantismo, mas como um instrumento valioso em favor do bem comum.
Menino pobre, alfabetizou-se sozinho e, empenhado em aprender sempre, foi apreciado escritor, próspero editor, inventor genial (criou o para-raios) e admirável estadista (participou com Thomas Jefferson e Samuel Adams da redação da declaração de independência dos EE.UU e integrou a assembleia que redigiu a avançada constituição norte americana).
        Um detalhe interessante: foi reencarnacionista, e o epitáfio que preparou para sua sepultura, fazendo referência a uma de suas atividades, diz bem sobre o assunto:
       
        O corpo de Benjamin Franklin, tipógrafo, como a capa de um livro velho, seu conteúdo despedaçado e despido de seu título e de seus dourados, aqui jaz, alimento para os vermes.
        Mas o trabalho não será perdido, pois, como ele acredita, aparecerá mais uma vez, em nova e mais elegante edição, revista e corrigida pelo autor.

        Por tudo o que fez, pelo aproveitamento integral de seus 84 anos muito bem vividos, Benjamin Franklin deixa bem claro que ao proclamar time is money está recomendando que devemos ver no tempo uma moeda que não deve ser jogada fora, porquanto é com ele que “compramos” cultura, conhecimento, virtude, sabedoria…
       
                                       ***

        As moedas têm dois valores:
        Extrínseco, nominal, aquele que nela inscrevemos. Há moedas de um, cinco, dez, vinte e cinco e cinquenta centavos, bem como de um real, circulando no Brasil.
        Intrínseco, substancial, representado pela peso do metal usado. Por isso mesmo não se pode usar o ouro para cunhar uma moeda de dez centavos. Ainda que minúscula, seu valor intrínseco seria muito maior. Ela simplesmente desapareceria de circulação, porquanto as pessoas a derreteriam para vender o ouro.
        Algo semelhante ocorre com o tempo.
        O valor extrínseco, nominal, de uma hora é o mesmo para todos nós.
        Mas o valor intrínseco, real, depende do que dela estivermos fazendo.
        O eficiente professor ministra uma aula.
        Seu valor extrínseco é o mesmo para todos: 60 minutos de aprendizado.
        Mas o valor intrínseco, íntimo dessa hora, só pode ser avaliado individualmente.
        O aluno distraído, desatento, desinteressado, pensamento longe, joga fora esses sessenta minutos, perde tempo.
        O aluno atento, interessado, participativo, disposto a trocar idéias com o professor e fazer anotações, estará aproveitando integralmente o ensejo, “comprando” com essa hora conhecimentos que enriquecerão seu patrimônio cultural e intelectual.

                                       ***

        Um século marca extrinsecamente o tempo de uma vida, considerada a programação biológica da raça humana, o período de preparo para a reencarnação e de readaptação à vida espiritual.
        Num século poderemos adquirir valores imperecíveis de virtude e conhecimento que, segundo Jesus, as traças não roem nem os ladrões roubam.
        Mas, se não tivermos cuidado, um século poderá representar para nós apenas a lamentável semeadura de vícios e paixões, desatinos e desajustes, com colheita obrigatória de sofrimentos e dores.
        O apóstolo Paulo, o admirável arauto da Boa Nova, era bastante enfático a esse respeito:

        Não vos iludais.  Deus não se deixa escarnecer. Tudo aquilo que o Homem semear haverá de colher. (Gálatas, 6-7)
  
        Tudo o que fazemos volta para nós, tanto o bem quanto o mal, segundo os princípios de Causa e Efeito que nos regem.
        Só há uma exceção.
O tempo.
        Se não aproveitado é patrimônio dilapidado na contabilidade divina, a empobrecer o futuro.
        Por falar nisso, leitor amigo, uma perguntinha:
O que tem feito você de seu tempo?

Richard Simonetti
e-mail: richardsimonetti@uol.com.br

domingo, 17 de fevereiro de 2019

A difícil liberdade



        Recebi de uma internauta e-mail no qual comenta minhas reflexões sobre: Libertar-se (publicado no Jornal Correio de Lins em 17/10/07).
        Assim ela escreve: “Gostei muito do seu texto. Libertar-se, achei muito interessante. Estava navegando em busca de algumas informações sobre o espiritismo, para tentar me compreender melhor, e achei seu texto. Acho que nada é achado por acaso. E no final escrevestes: “Suas idéias são idéias, podem ser verdadeiras ou não. Seus conceitos podem ser conceitos ou preconceitos. Aceitem que vocês podem cometer erros e, através deles, encontrar os acertos”. “Confesso que sinto dúvida em razão do libertar-se (pelo momento que vivo), pois não sei se o que eu penso (ou a maneira pela qual me comporto ou quero me comportar) decorre de um conceito ou preconceito. Eis a questão.”
        A dúvida apresentada não é apenas dela, mas, acho, que de todos nós.
        Em certas situações ficamos em saber, com muita clareza, o que fazer ou como agir.
        No prosseguimento de nossas trocas de informações, coloquei-lhe que o tema, de fato, é complexo, no entanto o Mestre Jesus deixou-nos alguns parâmetros.
        Afirmou ele: “Ame o próximo com a si mesmo “ e “ Não faça ao próximo o que não gostaria que se lhe fizesse“.
        Por essas orientações concluímos que ao pensarmos ou agirmos, no exercício de nossa liberdade, deveremos refletir se o que pensamos em fazer ou nos comportar relativamente ao outro, vai prejudicá-lo ou não. Se o que vamos fazer, gostaríamos que o outro fizesse conosco, ou não.
        Com esse balizamento dificilmente agiremos em detrimento do nosso semelhante e teremos uma clareza de entendimento em como usar a nossa liberdade, libertando-nos de preconceitos, com manifestações do orgulho e do egoísmo.
        Também a Doutrina Espírita, em sua obra fundamental: O Livro dos Espíritos orienta-nos no exercício da liberdade: “Em que condições poderia o homem gozar de absoluta liberdade?
-          Na dos eremitas no deserto. Desde que juntos estejam dois homens, há entre eles direitos recíprocos que lhe cumprem respeitar; não mais, portanto, qualquer deles goza de liberdade absoluta.” ( Questão nº 826 )
Assim, para o Espiritismo, o homem não goza de absoluta liberdade quando vivendo em sociedade, porque uns precisam dos outros.
Precisamos desenvolver a capacidade de pensar, pois é através dela que poderemos conhecer-nos e o mundo em que vivemos.
Pelo pensamento desfrutamos de liberdade ilimitada, o que deverá ajudar-nos nesse conhecimento. Esse entendimento deve amparar-nos a ação no sentido de, através da liberdade, desenvolvermos a fraternidade, a igualdade, a justiça e o amor.
A liberdade de consciência é uma característica da civilização em seu mais avançado estágio de progresso, já assinalava O Livro dos Espíritos (1857) e, hoje, essa liberdade está consagrada na Declaração dos Direitos Humanos, na própria Constituição da República Federativa do Brasil e na dos países mais avançados no respeito aos direitos humanos.
Temos, porém, a considerar que uma sociedade para manter o equilíbrio, a harmonia, e o bem-estar precisa estabelecer normas, leis e regulamentos asseguradores do direito coletivo, para não serem prejudicados pelos interesses pessoais egoísticos.
Esse entendimento de liberdade deve levar-nos à ação para implantar o bem em nós mesmos e na sociedade em que vivemos a fim que o mal gradativamente desapareça. Para isso devemos atuar conscientemente, com amor e determinação.

Aylton Paiva

Aylton Paiva é estudioso da Doutrina Espírita para sua aplicação na pessoa e na sociedade (www.ayltonpaiva.blogspot.com).




domingo, 10 de fevereiro de 2019

É teu irmão


Residiam os três, marido, esposa e filhinha, num casebre situado em zona rural. O sítio era do patrão e o salário irrisório, ganho com muito suor, mal atendia as necessidades prementes.
Certa tarde, enquanto o chefe da casa trabalhava no cafezal distante, a mulher, trazendo a menina nos braços, aproximou-se das margens de largo rio, à procura de arbustos medicinais. No barranco alto foi acometida de vertigem. Mãe e filha precipitaram-se nas águas caudalosas...
Horas mais tarde, o pobre homem, transido de dor, viu os corpos serem retirados do rio e transportados para o cemitério. Dominado pelo desespero, colheu ervas venenosas e preparou bebida fulminante que ingeriu sem vacilar. No entanto, socorrido a tempo, foi internado num hospital onde permaneceu longos dias.
Restabelecido, não regressou à fazenda. Desorientado, assumiu a condição do viajor intranquilo, como se pretendesse fugir de si mesmo, mas sempre perseguido pela sombra da tragédia, incapaz de retornar à normalidade. Para agravar seus padecimentos, passou a sofrer estranhas convulsões, à maneira de crises epilépticas. Com semelhante mal, era sistematicamente despedido dos raros empregos que surgiam, descendo à indigência.
Um dia, esteve no Albergue Noturno, em Bauru. O assistente encarregado de orientar e confortar os viajores, que por ali transitavam ouviu o relato de sua desdita, após o que o infeliz concluiu:
— Sou um desgraçado!... Minha existência está perdida!... A saudade é fel que me amargura os dias! E as atribulações que venho sofrendo!... Tenho passado fome e sido acusado de malfeitor!... Não quero continuar no mundo!...
Notando que a perigosa ideia de auto aniquilamento o estava rondando, o assistente comentou a loucura do suicídio e suas funestas consequências para quem entra por essa porta falsa. Mostrou-lhe magnífico desenho mediúnico de Jesus, que havia no refeitório, e o exortou a confiar no Mestre Supremo. Falou-lhe longamente, envolvendo-o e vibrações balsâmicas e alentadoras de sincera compaixão. O ex-sitiante ouviu atento, contemplou a figura do meigo Rabi e, sentindo-se possuído de novo ânimo, ponderou:
— O senhor tem razão... É um pecado desesperar-se assim, quando o Filho de Deus, que tanto sofreu, nunca perdeu a coragem. É que a gente é fraca e há momentos em que tudo fica tão escuro, parece tão difícil, que só se pensa em loucuras. Muito obrigado por suas palavras. Deus o abençoe pelo conforto que me proporcionou. Sabe moço? Eu tenho muita fé em Jesus. Ele há de ajudar-me a encontrar um caminho...

***

Experiências dolorosas como a desse homem advertem-nos de que, diante da adversidade, a inconformação e o desespero são agentes terríveis que complicam o destino.
Certamente fazia parte do quadro de suas provações a perda da esposa e da filha em tão trágicas circunstâncias. Eram naturais o sofrimento intenso e a angústia da separação. Mas, faltando-lhe no momento crucial a confiança plena nos desígnios divinos, perdeu o controle de si mesmo e tentou desertar da vida.
A partir de então, começou a sofrer as convulsões, fruto da extremada excitação a que se entregou, a qual, agravada pela tentativa de suicídio, terá favorecido o assédio de entidades inferiores e a evolução de distúrbios nervosos que abriram campo à epilepsia. Daí à indigência foi um passo.
— A provação foi muito grande! — dirá alguém.
Todavia, uma das primeiras lições que a Doutrina Espírita ensina é que Deus não nos sujeita a sofrimentos superiores às nossas forças, e, se santos não somos, estejamos certos de que teremos programado atribulações que chegarão no tempo certo, por ensejo de resgate e reajuste. Então testemunharemos nossa confiança no Pai celeste, nossa crença, nossa fé.
E aquele homem, onde estará agora? Bem, no dia seguinte deixou o albergue e talvez fosse o visitante humilde que nos solicitou a bênção de uma refeição, quando fechamos a porta, após comunicar-lhe que não havia sobras...
É possível que fosse a figura solitária e triste que desejava uma informação na via pública, quando estugamos o passo, fingindo ignorá-lo... Quem sabe fosse o infeliz de pernas trôpegas que caiu pesadamente à nossa frente, quando nos desviamos, sem cogitar de socorrê-lo...  Julgando apressadamente, justificamos a própria omissão proclamando:
— Ora, é um vagabundo!... É um malandro!... É um alcoólatra...
E Jesus, em quem ele disse confiar? Jesus, de quem esperava amparo? Jesus, que era sua esperança?
Jesus era aquela voz que no íntimo de nosso coração suplicava:
— Atende-o! É teu irmão!


Richard Simonetti
e-mail: richardsimonetti@uol.com.br