domingo, 24 de fevereiro de 2019

O grande tesouro


Inspirando-se provavelmente no filósofo grego Teofrastos (372-288 a.C), que proclamava ser muito caro o tempo, Benjamin Franklin (1706-1790) criou a máxima Time is money (Tempo é dinheiro), muito valorizada pelas pessoas que vivem em função dos bens materiais, empenhando seus dias a esse mister.
Tal concepção tornou-se típica da mentalidade empresarial, particularmente entre os norte-americanos. Perder tempo para eles é jogar dinheiro fora.
        Mas é uma injustiça ao grande estadista americano, esse homem extraordinário que seus contemporâneos chamavam “apóstolo dos tempos modernos”, situá-lo como alguém interessado em empenhar seu tempo em favor do “vil metal”.
        O móvel de suas ações, muito acima de meros interesses imediatistas, era o saber, não por mero diletantismo, mas como um instrumento valioso em favor do bem comum.
Menino pobre, alfabetizou-se sozinho e, empenhado em aprender sempre, foi apreciado escritor, próspero editor, inventor genial (criou o para-raios) e admirável estadista (participou com Thomas Jefferson e Samuel Adams da redação da declaração de independência dos EE.UU e integrou a assembleia que redigiu a avançada constituição norte americana).
        Um detalhe interessante: foi reencarnacionista, e o epitáfio que preparou para sua sepultura, fazendo referência a uma de suas atividades, diz bem sobre o assunto:
       
        O corpo de Benjamin Franklin, tipógrafo, como a capa de um livro velho, seu conteúdo despedaçado e despido de seu título e de seus dourados, aqui jaz, alimento para os vermes.
        Mas o trabalho não será perdido, pois, como ele acredita, aparecerá mais uma vez, em nova e mais elegante edição, revista e corrigida pelo autor.

        Por tudo o que fez, pelo aproveitamento integral de seus 84 anos muito bem vividos, Benjamin Franklin deixa bem claro que ao proclamar time is money está recomendando que devemos ver no tempo uma moeda que não deve ser jogada fora, porquanto é com ele que “compramos” cultura, conhecimento, virtude, sabedoria…
       
                                       ***

        As moedas têm dois valores:
        Extrínseco, nominal, aquele que nela inscrevemos. Há moedas de um, cinco, dez, vinte e cinco e cinquenta centavos, bem como de um real, circulando no Brasil.
        Intrínseco, substancial, representado pela peso do metal usado. Por isso mesmo não se pode usar o ouro para cunhar uma moeda de dez centavos. Ainda que minúscula, seu valor intrínseco seria muito maior. Ela simplesmente desapareceria de circulação, porquanto as pessoas a derreteriam para vender o ouro.
        Algo semelhante ocorre com o tempo.
        O valor extrínseco, nominal, de uma hora é o mesmo para todos nós.
        Mas o valor intrínseco, real, depende do que dela estivermos fazendo.
        O eficiente professor ministra uma aula.
        Seu valor extrínseco é o mesmo para todos: 60 minutos de aprendizado.
        Mas o valor intrínseco, íntimo dessa hora, só pode ser avaliado individualmente.
        O aluno distraído, desatento, desinteressado, pensamento longe, joga fora esses sessenta minutos, perde tempo.
        O aluno atento, interessado, participativo, disposto a trocar idéias com o professor e fazer anotações, estará aproveitando integralmente o ensejo, “comprando” com essa hora conhecimentos que enriquecerão seu patrimônio cultural e intelectual.

                                       ***

        Um século marca extrinsecamente o tempo de uma vida, considerada a programação biológica da raça humana, o período de preparo para a reencarnação e de readaptação à vida espiritual.
        Num século poderemos adquirir valores imperecíveis de virtude e conhecimento que, segundo Jesus, as traças não roem nem os ladrões roubam.
        Mas, se não tivermos cuidado, um século poderá representar para nós apenas a lamentável semeadura de vícios e paixões, desatinos e desajustes, com colheita obrigatória de sofrimentos e dores.
        O apóstolo Paulo, o admirável arauto da Boa Nova, era bastante enfático a esse respeito:

        Não vos iludais.  Deus não se deixa escarnecer. Tudo aquilo que o Homem semear haverá de colher. (Gálatas, 6-7)
  
        Tudo o que fazemos volta para nós, tanto o bem quanto o mal, segundo os princípios de Causa e Efeito que nos regem.
        Só há uma exceção.
O tempo.
        Se não aproveitado é patrimônio dilapidado na contabilidade divina, a empobrecer o futuro.
        Por falar nisso, leitor amigo, uma perguntinha:
O que tem feito você de seu tempo?

Richard Simonetti
e-mail: richardsimonetti@uol.com.br

domingo, 17 de fevereiro de 2019

A difícil liberdade



        Recebi de uma internauta e-mail no qual comenta minhas reflexões sobre: Libertar-se (publicado no Jornal Correio de Lins em 17/10/07).
        Assim ela escreve: “Gostei muito do seu texto. Libertar-se, achei muito interessante. Estava navegando em busca de algumas informações sobre o espiritismo, para tentar me compreender melhor, e achei seu texto. Acho que nada é achado por acaso. E no final escrevestes: “Suas idéias são idéias, podem ser verdadeiras ou não. Seus conceitos podem ser conceitos ou preconceitos. Aceitem que vocês podem cometer erros e, através deles, encontrar os acertos”. “Confesso que sinto dúvida em razão do libertar-se (pelo momento que vivo), pois não sei se o que eu penso (ou a maneira pela qual me comporto ou quero me comportar) decorre de um conceito ou preconceito. Eis a questão.”
        A dúvida apresentada não é apenas dela, mas, acho, que de todos nós.
        Em certas situações ficamos em saber, com muita clareza, o que fazer ou como agir.
        No prosseguimento de nossas trocas de informações, coloquei-lhe que o tema, de fato, é complexo, no entanto o Mestre Jesus deixou-nos alguns parâmetros.
        Afirmou ele: “Ame o próximo com a si mesmo “ e “ Não faça ao próximo o que não gostaria que se lhe fizesse“.
        Por essas orientações concluímos que ao pensarmos ou agirmos, no exercício de nossa liberdade, deveremos refletir se o que pensamos em fazer ou nos comportar relativamente ao outro, vai prejudicá-lo ou não. Se o que vamos fazer, gostaríamos que o outro fizesse conosco, ou não.
        Com esse balizamento dificilmente agiremos em detrimento do nosso semelhante e teremos uma clareza de entendimento em como usar a nossa liberdade, libertando-nos de preconceitos, com manifestações do orgulho e do egoísmo.
        Também a Doutrina Espírita, em sua obra fundamental: O Livro dos Espíritos orienta-nos no exercício da liberdade: “Em que condições poderia o homem gozar de absoluta liberdade?
-          Na dos eremitas no deserto. Desde que juntos estejam dois homens, há entre eles direitos recíprocos que lhe cumprem respeitar; não mais, portanto, qualquer deles goza de liberdade absoluta.” ( Questão nº 826 )
Assim, para o Espiritismo, o homem não goza de absoluta liberdade quando vivendo em sociedade, porque uns precisam dos outros.
Precisamos desenvolver a capacidade de pensar, pois é através dela que poderemos conhecer-nos e o mundo em que vivemos.
Pelo pensamento desfrutamos de liberdade ilimitada, o que deverá ajudar-nos nesse conhecimento. Esse entendimento deve amparar-nos a ação no sentido de, através da liberdade, desenvolvermos a fraternidade, a igualdade, a justiça e o amor.
A liberdade de consciência é uma característica da civilização em seu mais avançado estágio de progresso, já assinalava O Livro dos Espíritos (1857) e, hoje, essa liberdade está consagrada na Declaração dos Direitos Humanos, na própria Constituição da República Federativa do Brasil e na dos países mais avançados no respeito aos direitos humanos.
Temos, porém, a considerar que uma sociedade para manter o equilíbrio, a harmonia, e o bem-estar precisa estabelecer normas, leis e regulamentos asseguradores do direito coletivo, para não serem prejudicados pelos interesses pessoais egoísticos.
Esse entendimento de liberdade deve levar-nos à ação para implantar o bem em nós mesmos e na sociedade em que vivemos a fim que o mal gradativamente desapareça. Para isso devemos atuar conscientemente, com amor e determinação.

Aylton Paiva

Aylton Paiva é estudioso da Doutrina Espírita para sua aplicação na pessoa e na sociedade (www.ayltonpaiva.blogspot.com).




domingo, 10 de fevereiro de 2019

É teu irmão


Residiam os três, marido, esposa e filhinha, num casebre situado em zona rural. O sítio era do patrão e o salário irrisório, ganho com muito suor, mal atendia as necessidades prementes.
Certa tarde, enquanto o chefe da casa trabalhava no cafezal distante, a mulher, trazendo a menina nos braços, aproximou-se das margens de largo rio, à procura de arbustos medicinais. No barranco alto foi acometida de vertigem. Mãe e filha precipitaram-se nas águas caudalosas...
Horas mais tarde, o pobre homem, transido de dor, viu os corpos serem retirados do rio e transportados para o cemitério. Dominado pelo desespero, colheu ervas venenosas e preparou bebida fulminante que ingeriu sem vacilar. No entanto, socorrido a tempo, foi internado num hospital onde permaneceu longos dias.
Restabelecido, não regressou à fazenda. Desorientado, assumiu a condição do viajor intranquilo, como se pretendesse fugir de si mesmo, mas sempre perseguido pela sombra da tragédia, incapaz de retornar à normalidade. Para agravar seus padecimentos, passou a sofrer estranhas convulsões, à maneira de crises epilépticas. Com semelhante mal, era sistematicamente despedido dos raros empregos que surgiam, descendo à indigência.
Um dia, esteve no Albergue Noturno, em Bauru. O assistente encarregado de orientar e confortar os viajores, que por ali transitavam ouviu o relato de sua desdita, após o que o infeliz concluiu:
— Sou um desgraçado!... Minha existência está perdida!... A saudade é fel que me amargura os dias! E as atribulações que venho sofrendo!... Tenho passado fome e sido acusado de malfeitor!... Não quero continuar no mundo!...
Notando que a perigosa ideia de auto aniquilamento o estava rondando, o assistente comentou a loucura do suicídio e suas funestas consequências para quem entra por essa porta falsa. Mostrou-lhe magnífico desenho mediúnico de Jesus, que havia no refeitório, e o exortou a confiar no Mestre Supremo. Falou-lhe longamente, envolvendo-o e vibrações balsâmicas e alentadoras de sincera compaixão. O ex-sitiante ouviu atento, contemplou a figura do meigo Rabi e, sentindo-se possuído de novo ânimo, ponderou:
— O senhor tem razão... É um pecado desesperar-se assim, quando o Filho de Deus, que tanto sofreu, nunca perdeu a coragem. É que a gente é fraca e há momentos em que tudo fica tão escuro, parece tão difícil, que só se pensa em loucuras. Muito obrigado por suas palavras. Deus o abençoe pelo conforto que me proporcionou. Sabe moço? Eu tenho muita fé em Jesus. Ele há de ajudar-me a encontrar um caminho...

***

Experiências dolorosas como a desse homem advertem-nos de que, diante da adversidade, a inconformação e o desespero são agentes terríveis que complicam o destino.
Certamente fazia parte do quadro de suas provações a perda da esposa e da filha em tão trágicas circunstâncias. Eram naturais o sofrimento intenso e a angústia da separação. Mas, faltando-lhe no momento crucial a confiança plena nos desígnios divinos, perdeu o controle de si mesmo e tentou desertar da vida.
A partir de então, começou a sofrer as convulsões, fruto da extremada excitação a que se entregou, a qual, agravada pela tentativa de suicídio, terá favorecido o assédio de entidades inferiores e a evolução de distúrbios nervosos que abriram campo à epilepsia. Daí à indigência foi um passo.
— A provação foi muito grande! — dirá alguém.
Todavia, uma das primeiras lições que a Doutrina Espírita ensina é que Deus não nos sujeita a sofrimentos superiores às nossas forças, e, se santos não somos, estejamos certos de que teremos programado atribulações que chegarão no tempo certo, por ensejo de resgate e reajuste. Então testemunharemos nossa confiança no Pai celeste, nossa crença, nossa fé.
E aquele homem, onde estará agora? Bem, no dia seguinte deixou o albergue e talvez fosse o visitante humilde que nos solicitou a bênção de uma refeição, quando fechamos a porta, após comunicar-lhe que não havia sobras...
É possível que fosse a figura solitária e triste que desejava uma informação na via pública, quando estugamos o passo, fingindo ignorá-lo... Quem sabe fosse o infeliz de pernas trôpegas que caiu pesadamente à nossa frente, quando nos desviamos, sem cogitar de socorrê-lo...  Julgando apressadamente, justificamos a própria omissão proclamando:
— Ora, é um vagabundo!... É um malandro!... É um alcoólatra...
E Jesus, em quem ele disse confiar? Jesus, de quem esperava amparo? Jesus, que era sua esperança?
Jesus era aquela voz que no íntimo de nosso coração suplicava:
— Atende-o! É teu irmão!


Richard Simonetti
e-mail: richardsimonetti@uol.com.br

domingo, 3 de fevereiro de 2019

A convivência adequada


Conversava com o amigo Guilherme quando ele comentou sobre a dificuldade da convivência, a começar com os próprios familiares.
Disse-lhe: ontem li uma página muito interessante escrita pelo espírita e psicólogo Adenauer Novaes sobre o assunto e estou com o livro aqui, vamos dar uma lida?
- É interessante... até mesmo a coincidência.
- Adenauer comenta: “A vida a dois, por mais amor que exista, é sempre o desafio no qual a união harmônica deveria prevalecer no final. O encontro inicial se dá por vários fatores que fazem com que uma pessoa se relacione com outra. Para a manutenção da relação devem concorrer os seguintes requisitos: identidade de propósitos, amizade e atração sexual. Sem eles a relação corre o risco de ser tornar instável. Quando um deles falta, o casal deve tomar consciência disso e buscar juntos alternativas de solução.
Psicologicamente uma relação é a busca por um complemento que se realiza de forma arquetípica. São opostos que tentam se reconciliar no encontro amoroso, e assim o fazem para que a necessária coniuctionis ocorra, isto é, para que cada um integre em si o que projeta no outro e o que com ele apreende.
Cada um busca seu complemento, por esse motivo não deve esperar que pensem da mesma maneira ou que gostem das mesmas coisas. Querer a igualdade entre os dois é anular um deles. Não se deve pensar que, por serem diferentes, não possa a relação dar certo ou ser bem conduzida.
Um outro na vida de alguém deve levá-lo ao encontro consigo mesmo e à transformação de que necessita na vida. A união a dois deve levar ambos ao autoconhecimento, à descoberta de si mesmo, à transformação na vida social e à iluminação do Espírito”. (1)
Mais adiante, comentando a convivência no lar, ele prossegue:
“Podemos sonhar com um lar no qual gostaríamos de viver, com características ideais e que nos permitisse viver em paz e feliz. Porém, esse lar é sempre fruto da construção pessoal de cada um. Não é algo que recebemos gratuitamente, mas que construímos ao longo das vidas sucessivas do espírito que somos.
Pode-se pensar num lar onde haja discussões e preocupações, visto que são contingências naturais da vida em grupo. A vida, mesmo num ambiente de harmonia, exige que não se perca de vista o nível de evolução de cada pessoa e suas dificuldades íntimas.
Construamos um lar como um ambiente de paz e harmonia, mas constituído por pessoas que possam, momentaneamente, apresentar algum tipo de insatisfação ou angústia. Afinal de contas a Vida oferece desafios constantes, os quais nos cabe vencer e com eles aprender”. (2)
Não são interessantes as considerações que ele entretece sobre a compreensão e a divergência, o conflito e a paz; a busca da igualdade e a diferença?
- De fato, o entendimento e a paz nunca serão frutos da submissão e da mesmice, ponderou Guilherme.
- Sim! A liberdade de pensamento é um direito consagrado nas legislações avançadas e em O Livro dos Espíritos; nele encontramos a seguinte colocação, na questão nº 833: “No pensamento goza o homem de ilimitada liberdade, pois que não há como pôr-lhe peias. Pode-se-lhe deter o vôo, porém, não aniquilá-lo.” (3)
Por outro lado, em análise anterior assim os Mentores Espirituais também se manifestaram: “Não há liberdade absoluta, porque precisais uns dos outros, assim os pequenos como os grandes”. (Questão nº. 825)
Interpôs Guilherme:
- Então como encontrar o equilíbrio necessário?
- Nas insatisfações e conflitos vamos procurar exercitar os princípios da Justiça: reconhecer os direitos do outro e claramente delimitar os nossos.
- Belo desafio!
- Vamos enfrentá-lo?

Bibliografia:

(1) e (2) – O Evangelho e a Família, Adenauer Novaes, Ed. Fundação Lar Harmonia, págs. 57 e 58;

(3) – O Livro dos Espíritos, Allan Kardec, Ed. FEB

Aylton Paiva é estudioso da Doutrina Espírita para sua aplicação na pessoa e na sociedade (www.ayltonpaiva.blogspot.com).