sábado, 28 de julho de 2018

Pá para você


Observando pessoas no Centro Espírita, a procura de lenitivo para seus males, Chico comentava:
– Muitos desses nossos irmãos não precisam de tanto passe. Precisam mesmo de uma pá.
Traduzindo: precisam de serviço, algo para ocupar o tempo de forma produtiva. Há algumas observações interessantes sobre o assunto:
A ociosidade é como a ferrugem, gasta mais do que o trabalho. A chave em uso está sempre limpa.
Benjamin Franklin
Um ocioso é um relógio sem os dois ponteiros, inútil quando anda e quando parado.
Cowper
O homem ocioso é como água estagnada – corrompe-se.
Latena
A ociosidade é o anzol do demônio.
Tomás de Aquino
Um homem perfeitamente ocioso é um pecado ambulante.
Colecchi
Há um consenso, como vemos, em torno da necessidade de nos mantermos ativos, superando a tendência à indolência que caracteriza a humanidade.
Essa maneira de ser é tão arraigada no espírito humano que os teólogos medievais consideravam o Céu um local de beatitude, onde as almas se desvaneceriam na contemplação do Criador, em absoluto repouso. Daí falar-se diante da morte de pessoas que enfrentaram atribulações ou tiveram doença de longo curso.
– Finalmente descansou!
Ah! Esse terrível Céu de beatitude vazia, de descanso sem remissão, de ociosidade perene, de monótonos arpejos!…
Está muito mais para inferno!
Bem, amigo leitor, se você está consciente de que deve manter-se ativo, evitando a ociosidade, deve conhecer o que nos diz Sócrates: Não é ocioso apenas o que nada faz, mas é ocioso quem poderia empregar melhor o seu tempo.
Multidões elegem o fim de semana para viajar, ir à praia, ao cinema, ao shopping; ao futebol...
Nada disso é mau em princípio – um espairecimento, diria o leitor, indispensável ao nosso bem-estar.
Concordo com você, porém, se reconhecermos que não estamos em estação de férias na Terra, e sim para evoluir, tudo o que não represente empenho de aprendizado e exercício do Bem, com exceção das atividades relacionadas com a subsistência, será, em última instância, mera perda de tempo.
E, não raro, ensejo à perturbação. Comprometimentos morais, desvios de comportamento, vícios, adultério chegam sempre pela porta da ociosidade.
Quando Chico lembra a pá, não se refere apenas ao trabalho pela subsistência, envolvendo profissão, cuidados do lar…
Há que se considerar esforço do Bem, substituindo lazeres no mínimo improdutivos por iniciativas que nos enriqueçam espiritualmente, valorizando o tempo que Deus nos concede para as experiências humanas.
Há lazeres maravilhosos: visitar enfermos no hospital, preparar refeições para famílias carentes, distribuir cestas básicas, ler livros de caráter edificante, participar de seminários e conferências, adquirir conhecimentos…
São lazeres que nos colocam em sintonia com as Fontes da Vida. Sustentam o bom ânimo, alegram o coração e enriquecem a alma.
Por isso, se nas nossas saudações aos amigos e familiares desejamos–lhes paz, seria interessante, em favor deles, eliminar a letra z.
Assim, amigo leitor, concluo, dizendo-lhe, à maneira de Chico:
Muita pá para você!
  
Richard Simonetti
e-mail: richardsimonetti@uol.com.br


domingo, 15 de julho de 2018

Bem aventurado os brandos


Jesus dirige-se ao monte, atende a multidão e faz uma das mais belas exposições, que se tem notícia, sobre a verdade, a justiça e o amor.
Cada frase tem um sentido profundo e esclarecedor de como viver, no dia a dia, e permanentemente, aqueles valores éticos fundamentais.
Cada frase merece uma reflexão.
Hoje, tomaremos aquela que vem citada no capítulo 5, versículo 4 do Evangelho de Mateus: “Bem aventurados os que são brandos, porque possuirão a terra”.
O planeta Terra, ou melhor, a humanidade do planeta Terra está precisando de brandura e misericórdia no relacionamento individual e coletivo.
Essas reflexões me remeteram a uma parábola que li recentemente:
“Num pequeno país da Europa, havia um rei que vivia bastante preocupado com a maneira como governar seu povo. Certo dia, pediu orientação a um conselheiro:
- Caro conselheiro, devo ser severo aos meus súditos para que mantenham sempre o respeito e nunca pensem em se rebelar contra mim, ou devo ser amoroso fazendo-lhes as vontades para que tenham grande carinho? Ajude-me.
O conselheiro meditou por alguns instantes e logo se pronunciou:
- Qual o objeto que vossa majestade mais aprecia?
Mesmo sem entender direito aonde o conselheiro queria chegar, o rei respondeu:
- O que mais amo são dois vasos chineses muito valiosos.
- Traga-os aqui, então.
Ainda sem compreender, o rei atendeu ao pedido e mandou trazer os dois vasos. Vendo-os, o conselheiro disse:
- Tragam um pouco de água fervendo e um pouco de água gelada. Coloquem a água gelada em um vaso e a fervendo em outro.
Prevendo o que iria acontecer, o rei interveio rapidamente:
- Louco! Não percebe que os vasos vão se partir?
- Exatamente, - respondeu o conselheiro.
- Assim será com o reino.
Se agir com severidade excessiva ou com grande benevolência, não será um bom rei. Vossa majestade precisa saber dosar os dois, para exercer sempre uma autoridade saudável” (1)
A parábola ilustra, com propriedade, a necessidade do equilíbrio entre a severidade e a brandura.
Qualquer uma em demasia, como a água gelada ou a água fervente, racha o precioso vaso da convivência no pequeno grupo ou na sociedade.
Muitos conflitos familiares, que solapam as bases da família têm a sua origem na severidade excessiva ou na brandura irresponsável e indisciplinada.
Allan Kardec, analisando a aludida afirmação de Jesus, pondera: “Por esta máxima, Jesus faz da brandura, da moderação, da mansuetude, da afabilidade e da paciência, uma lei. Condena, por conseguinte, a violência, a cólera e até toda expressão descortês de que alguém possa usar para com seus semelhantes”. (2)
Vamos responder, para nós mesmos, ou com outras pessoas, se lermos este texto junto com elas?
- Como deverei dosar a minha severidade e a minha brandura?
- Estou trincando os vasos da convivência com a água gelada ou com a água fervente?
- Como eu gostaria de ser tratado (a) no lar? Como estou tratando meus familiares?
- Como eu gostaria de ser tratado (a) no ambiente de trabalho? Como estou tratando meus colegas de trabalho?
- O que eu posso fazer de concreto para mudar minhas atitudes agressivas e agir com equilíbrio?

Bibliografia:
(1) – Parábolas de Liderança, Darlei Zanon, págs. 39 e 40, Ed. Paulus.

(2) – O Evangelho Segundo o Espiritismo, Ed. FEB, págs. 161 e 162.

Aylton Paiva é estudioso da Doutrina Espírita para sua aplicação na pessoa e na sociedade (www.ayltonpaiva.blogspot.com).

Obs.: Artigo publicado em 30/03/2012, no Jornal Correio de Lins

domingo, 8 de julho de 2018

O mensageiro


    (Reflexão)
O meu estado d’alma era de muita paz. Eu estava completamente relaxado e absorto na poltrona aconchegante do meu lar.
Vaguei em pensamentos por campinas verdejantes, por cascatas e rios com peixinhos coloridos, por florestas e mares sem fim.
Na afinidade de meus pensamentos, fui encontrá-lo em uma relva às margens de um lago azul, de águas cristalinas. Seu semblante deixava transparecer a serenidade e o amor.
De repente fui envolvido por uma estranha sensação, o peito oprimido por angústia desconhecida e um forte sentimento de revolta. Senti-me escravo! Eu... Escravo?
A resposta intuitiva e imediata daquele desconhecido veio de forma poética:
Vieste de outros tempos
Sem lar, comida ou leitura
Mas ensinaste a bondade
A milhões de criaturas.
A terra não te pertence
Só tens direito a teu pão,
Que por intuição Divina
Deste metade ao seu irmão
Teus ombros a tudo resistem:
Trabalho, sol e chicote
No peito a chama do amor
Que te eleva e te conforta.
Na vida, caminhas errante
Pisando a relva orvalhada
À espera que uma porta
Te abra junto da estrada.
Teu cantar se ouve ao longe
Esqueces pesada cruz
És filho da terra bruta
Teu suor reflete a luz
Dignidade e nudez
Foi a herança dos teus
Tens influência marcante
No mundo que te esqueceu
Despertei-me serenamente, e retornei à realidade. Pensativo... Lembrei-me dos ensinamentos contidos no Livro dos Espíritos (Q. 829) que diz que toda sujeição absoluta de um homem a outro homem é contraria a lei de Deus, e que a escravidão é um abuso da força e desaparecerá com o progresso, como pouco a pouco desaparecerão todos os abusos.
Levantei-me da poltrona devagarinho... E fui tomar meu banho.

Nelson Nascimento
e-mail: nelson.nascimento1@yahoo.com.br

segunda-feira, 2 de julho de 2018

Encontros e desencontros


Simone chegou com alguns minutos de antecedência. Sentada em rústico banco, à sombra de frondosa árvore, recordou que ali tecera com Armando idílico sonho. O marido representara o seu encontro com a felicidade. A seu lado vivera quinze anos de ternura, enriquecidos por quatro filhos adoráveis. No entanto, há dois anos o sonho convertera-se em pesadelo. Armando apaixonou-se por inconsequente jovem, iniciando perturbadora relação extraconjugal. Após meses de tensão, alegando incapacidade para superar a atração irresistível, decidiu unir-se à sua amada.
Indignada, vivera dias tormentosos. Não fora o conhecimento espírita e o teria odiado com todas as suas forças! Abençoada Doutrina, que a ajudara a compreender que o marido não agira com maldade. Apenas fora fraco, cedendo a impulsos desajustados.
A compreensão preservara-lhe a estabilidade emocional e a capacidade de amar. Sim, continuava amando o marido, um afeto diferente, um pouco maternal, de mãe preocupada com o filho rebelde que deixou o lar. E tudo o que fazia era orar por ele.
Agora ele queria conversar. O fato de ter escolhido o mesmo banco, na velha praça dos encontros primaveris, evidenciava que ele estava cogitando de uma reconciliação. Conhecia-o, entendia-lhe as mínimas iniciativas, com a precisão nascida de longa convivência, com a secreta intuição dos que amam de verdade.
Despertando de suas reminiscências, avistou Armando. O coração a bater acelerado no peito, dizia-lhe que o marido continuava a ser o homem de sua vida. O tempo não lhe fora generoso. Estava abatido, magro, envelhecido como se houvessem passado dez anos e não apenas dois. Ele sorriu timidamente:
– Oi, Simone, como está?
– Tudo bem, graças a Deus. E você?
– Não posso dizer o mesmo. Estou mal, mal mesmo! Arrependido até os fios de meus cabelos, afogando-me em remorsos. Será que você me perdoará um dia?
– Você sabe que não sou de guardar rancores. Não se preocupe.
Tomando-lhe as mãos Armando começou a chorar. Em princípio lágrimas furtivas, depois borbulhantes, como imensa dor represada que explodisse em torrente de mágoas.
– Que loucura! Destruí nosso lar por uma aventura! ...
Simone acariciou suas mãos.
– Calma, Armando. Não se entregue ao desalento. Ninguém é perfeito. Todos somos passíveis de erro... Conte-me. Como vai sua vida ao lado da nova companheira?
– Não há mais nada. Foi um equívoco, um desencontro infeliz... Separamo-nos há uma semana e tudo o que quero é regressar ao nosso lar, ainda que tenha de passar o resto de meus dias pedindo-lhe perdão. Você me aceitaria de volta?
Simone fitou-o enternecida. Não havia nenhuma dúvida quanto a isso. Desde que se despira de ressentimentos, sentia que isso aconteceria mais cedo ou mais tarde, na Terra ou no Além.
– Claro, meu querido. É o que mais desejo.
– Há apenas um problema... Mais exatamente... outro filho... Da união infeliz resultou uma criança de dez meses. A mãe não o quer. Sei que é pedir demais, mas você me permitiria retornar com ele?
Um filho com a outra, sob seus cuidados, no mesmo lar, em contato com seus próprios filhos?! A proposta soava absurda. Como reter a lembrança perene da defecção do marido? Era pedir demais! ... Imaginou, em turbilhão de ideias, uma forma de contornar o problema. Um orfanato, talvez... Um casal disposto à adoção... Sabia, entretanto, que uma solução dessa natureza seria desumana, uma flagrante injustiça contra o pequeno inocente.
Sem que conseguisse exprimir com exatidão o que estava acontecendo, sentiu imensa compaixão daquele ser que chegava ao Mundo em circunstâncias tão tristes, rejeitado pela mãe, um entrave na vida do pai... Pobre criança! Então, o instinto materno, a sensibilidade de um coração generoso, a vocação para o Evangelho, triunfaram sobre a mulher traída que, tomada por uma onda de ternura, levantou-se, resoluta, arrastando o marido per­plexo, ao mesmo tempo em que dizia, eufórica:
– Onde está nosso filho? Vamos buscá-lo imediatamente! Sinto que ele precisa muito de mim!
E partiram os dois, retomando a existência em comum, enriquecida pela presença de mais um filho.


Richard Simonetti
e-mail: richardsimonetti@uol.com.br