Nas proximidades, a gata rueira,
impossível de ser contida nos limites da casa, como todos os felinos.
A bichana resolveu atravessar a rua. Um
automóvel aproximava-se, veloz. Ela esgueirou-se, rápido. Escapou por um triz,
como sempre, valendo-se das “sete vidas” com que o imaginário popular brinda a
agilidade dos felinos.
Certamente gastou a última,
porquanto outro carro vinha em sentido contrário e a pobre foi colhida por
rodas implacáveis.
Em segundos expirava, velada pelas
meninas que choravam em desolação, traumatizadas com a violência presenciada,
inconformadas com a perda de sua Juju.
– Papai, a Juju cumpriu um carma?
– Não, filhinha. Animais não têm dívidas
a pagar. São conduzidos pelas forças da natureza, sob orientação do instinto.
– Mamãe dizia que era uma criminosa,
destruidora de cortinas e estofados!
– Não fazia por mal… Apenas afiava as
garras, como todo felino.
– Podemos orar por ela?
– Certamente! Será como se lhe fizessem
um carinho à distância.
–
Quando morrermos, vamos encontrá-la?
– Talvez… As almas dos animais não
costumam demorar-se no Além.
– Animal também reencarna?
– Sim. Faz parte de sua evolução.
– Gato pode reencarnar como cachorro?
– Sem dúvida, e também em outras
espécies, em constante desenvolvimento, ao longo dos milênios.
– Que bom papai! A Juju poderá voltar
como filha de nossa Baby!
***
Tempos depois, Baby, a cadelinha,
despejou no mundo quatro filhotes.
As meninas encantam-se, particularmente
com a menor.
– Veja, papai! Tem a mesma cor de nossa
Juju e até os olhos puxadinhos. Deve ser ela!
– Pode ser, filhinha – sorriu o pai,
condescendente.
Não seria caridoso contestar a
animadora fantasia.
Afinal, não era impossível… Como
devassar os meandros da evolução, a progressão das experiências, as espécies a
que se liga o princípio espiritual, na longa jornada rumo à consciência?…
– Podemos ficar com ela?
– Se quiserem…
– Vai chamar-se Juju.
– Tudo bem.
Observando o entusiasmo das meninas,
conjecturava o pai, com seus botões:
“Ah! Vida abençoada! Sempre a
brotar, irresistível, plena de esperanças, sobrepondo-se à desolação da morte!”
Richard Simonetti
e-mail: richardsimonetti@uol.com.br
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